terça-feira, 8 de janeiro de 2008

– Dois capítulos sobre os teus pés –

Capítulo V



Ainda quero falar dos pés dele. Também falaria da boca. Beberia aqueles olhos. Pés, bocas e olhos. Que eu comeria no jantar. No jantar de aniversário da minha constante e sedutora solidão.


***


Uma vez eu disse para mim mesma: Eu não vou dizer mais o que eu sinto. Eu vou fazer eu que sinto! Eu vou fazer na carne, porque agora já estou fazendo, fazendo na cabeça, nos joelhos, na cintura, nos pés, na nuca, nos cotovelos, nas axilas... no corpo inteiro de pelos que se eriçam verdejantes como a vontade primeira enevoando-se constante nos campos, como a minha solidão.


***


E ainda quero falar dos pés dele. Porque gostaria de senti-los à porta da minha vagina, do meu sangrar rarefeito, no meu lagrimar nesse jeito incessante de ficar molhada. Eu sou mulher! Eu sou mulher e choro, tão doce e perturbada, contraída e contaminada, nesse espasmo de sensações e gozo vívida e magnífica, tão Electra e Pontífica, como uma santa voadora, no peito e nos pés dele, no peito dos pés dele. Que me espera gozar enquanto olha, enquanto molha meu corpo de solidão, com a proposta e a sensação saída toda de si, num jato fenômeno lindo! Adolescente! Natural “crescente”! “E nesta hora sou criança a descobrir no porão de casa, o corpo e a barriga rasa, o meio do corpo, o coração e a casa, trepidando sobre sua cabeça, os pés do pai passeando, se seguindo e se agitando, construindo o seu destino. “Sou filha única e fatal! – percebes que quando falamos de alguém falamos do mundo, puxamos o mundo como uma colcha de mistérios, tão gigante, tão enorme! Tão elefante elevando-se sobre nós como uma floresta, a imensidão de arvores que formam os cabelos da floresta, da cabeça e couro cabeludo todo da floresta. Colchão tão amigo, n’onde Deus gosta de repousar quando faz a cesta, quando a vida esta, lho da alguma dor de cabeça. – E olha que tenho uma tia que detesta árvores, detesta andar no mato, disse quem se sente angustiada. Deve ter razões! Eu não. Eu me sinto nua, juro! É verdade, e posso estar toda vestida, pesada de corpetes e vestidos “vitorianos”, ainda assim me sentirei nua. É que vejo-me selvagem, como a selva, sou uma arvore andante, às vezes pequena, às vezes gigante! Quantos homens comi sempre dentro do mato! Quanta gente engoli ventre dentro do mato! Quanto já cantei! Quanto já me impuz tanto dentro do mato! Já briguei com arvores que deixaram espinhos! Quantas já abracei! Quantas já desejei, subi, me despi, já gozei do alto frontispício da solidão infestada de vida que o mato e a barriga cabeluda também desta terra. – Tenho sempre tanto a dizer!


***


E isso tudo por causa dos seus pés! Dos pés dele! Dos teus pés, agora mais perto de mim! Os teus pés que hora são a forma mais direta, que eu vadia, santa e concreta, encontrei de olhar a ti, sem te tanto invadir! Embora quando esperes, embora quando sempre represes, eu seja como sempre sou. E conclua, que invada, eu sempre invado. Porque sou invasiva, por que sou cafona e pateticamente... Malvina.

Com este nome de sina. De doença, de praga, de febre, de solidão... Malvina deitada no seu colchão, bem do seu lado, afagando-te o chão inteiro da pele, enfiando-te os dedos no coração, nessas, todas as últimas noites. E você nem vê!
Chega! Já falei demais! Vou tomar banho!
Até amanhã!

- Malvina Alvarez -

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