sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Capítulo VII


Malvina hoje está triste. Está triste e desamparada; está encolhida e desacreditada, da bondade da vida. Está quase perdendo de vez a fé. Ela hoje prefere, até mesmo sobrevoar, estar fora de si; não mergulhar na carne, na sua própria carne, para nisto tentar amenizar sua dor. A sua decepção do mundo. Malvina está triste e não consegue nem chorar, o seu choro convulso, o seu choro gritar de poetas tortos, que ama e encontra tanto em si mesma. Toda! Marginal! Malvina se acha à margem, marginal. Esquecida, assustadora. Ameaçando e assustando o “dono dos pés tão lindos brancos”. Para ele, ela escreveu e gozou versos tão lindos, letras tão lindas vertidas de cólera, música e ardor. Para ele, seu pouco de amor, para não dar-se tanto, e manter-se segura, não estar apaixonada, com dor, apenas gostar e desejar o membro doce desse menino-homem na figura física e perturbadora do seu lindo pé. Sua forma indireta de desejar sem agredir. Ela está triste! Julga-se idiota! Desamparada! Acha, pensa solenemente que esteve divertindo apenas o rapaz, com seus versos tortos. Divertindo o rapaz que no fundo e na verdade não a compreende e não a enxerga como tantos outros à Malvina. Malvina nem mesmo tem forças para estar irritada.


***


Malvina assim mesmo ainda fica molhada e deseja gozar pondo os próprios dedos, imaginando os próprios dedos do “dono famoso dos lindos pés”, seus medos. Malvina conta até dez, mas não consegue deter a si mesma. Não consegue negar à sua natureza avoada – uma perdida barata voadora no ar... hoje, nem um pouco sedutora, nem um pouco mariposa, nem um pouco melhor do que fora ontem. Malvina apenas parada, assustada tentando entender a vida. Tentando aprender a vida, tentando ganhar conforto e maturidade para enxergar seus erros. N’onde Malvina errou? Em ser Malvina?... Em ter calor e dizer toda a verdade que seu coração, não em menos comunhão com sua buceta, sente?! Malvina nem sempre acerta quando pensa conhecer. E chora e se entristece, e se engana. Malvina quer crescer e ser gente... amada e respeitada. Malvina agarrou seu terço de imitação de pérolas negras com seu lindo e magnífico crucifixo prata, também falso, Malvina ouve seu barulho, Malvina o aperta no entulho do seu peito, ouve o ritmo pouco, quase morto do seu coração sem jeito tenta ganhar com Deus, conforto na paternidade divina. Malvina mulher? Não, Malvina menina, sozinha e triste... muito triste... pretendendo tentar, eu disse tentar dormir.

Assinado

Malvina Alvarez


Sem saber mesmo o que fazer para sorrir de novo esta noite.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Capítulo VI


Eu não estou falando por talento, eu estou falando por cólera.
– E o meu silêncio é uma coroa de canivetes se estreitando nos anéis de minha garganta.
- Você foge com tanta sutileza!
- Você fode com tanta sutileza!

E chamemos de poesia o que muitos chamam por proeza, por pobreza, safadeza, loucura do ser. Mas isso tudo é poesia e no teu corpo há uma enguia, revirando-se por dentro, quase elétrica, pronta para morrer. Mas Deus não a mata! E se Deus não a mata! Vamos viver! (?)
E se Deus! não há mata para se esconder, porque não viramos índios e não chamamos chuva e não fazemos vulvas de escargots = pratos caríssimos que comeremos com limão. Uma gota dos seus olhos verdes, e apenas limão?!


***


Um versinho:
“Eu vi a lua saindo
Com três estrelinhas do lado,
A do meio vem dizendo
Que Malvina tem namorado...”

- Malvina não tem namorado! Malvina está só!

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

– Dois capítulos sobre os teus pés –

Capítulo V



Ainda quero falar dos pés dele. Também falaria da boca. Beberia aqueles olhos. Pés, bocas e olhos. Que eu comeria no jantar. No jantar de aniversário da minha constante e sedutora solidão.


***


Uma vez eu disse para mim mesma: Eu não vou dizer mais o que eu sinto. Eu vou fazer eu que sinto! Eu vou fazer na carne, porque agora já estou fazendo, fazendo na cabeça, nos joelhos, na cintura, nos pés, na nuca, nos cotovelos, nas axilas... no corpo inteiro de pelos que se eriçam verdejantes como a vontade primeira enevoando-se constante nos campos, como a minha solidão.


***


E ainda quero falar dos pés dele. Porque gostaria de senti-los à porta da minha vagina, do meu sangrar rarefeito, no meu lagrimar nesse jeito incessante de ficar molhada. Eu sou mulher! Eu sou mulher e choro, tão doce e perturbada, contraída e contaminada, nesse espasmo de sensações e gozo vívida e magnífica, tão Electra e Pontífica, como uma santa voadora, no peito e nos pés dele, no peito dos pés dele. Que me espera gozar enquanto olha, enquanto molha meu corpo de solidão, com a proposta e a sensação saída toda de si, num jato fenômeno lindo! Adolescente! Natural “crescente”! “E nesta hora sou criança a descobrir no porão de casa, o corpo e a barriga rasa, o meio do corpo, o coração e a casa, trepidando sobre sua cabeça, os pés do pai passeando, se seguindo e se agitando, construindo o seu destino. “Sou filha única e fatal! – percebes que quando falamos de alguém falamos do mundo, puxamos o mundo como uma colcha de mistérios, tão gigante, tão enorme! Tão elefante elevando-se sobre nós como uma floresta, a imensidão de arvores que formam os cabelos da floresta, da cabeça e couro cabeludo todo da floresta. Colchão tão amigo, n’onde Deus gosta de repousar quando faz a cesta, quando a vida esta, lho da alguma dor de cabeça. – E olha que tenho uma tia que detesta árvores, detesta andar no mato, disse quem se sente angustiada. Deve ter razões! Eu não. Eu me sinto nua, juro! É verdade, e posso estar toda vestida, pesada de corpetes e vestidos “vitorianos”, ainda assim me sentirei nua. É que vejo-me selvagem, como a selva, sou uma arvore andante, às vezes pequena, às vezes gigante! Quantos homens comi sempre dentro do mato! Quanta gente engoli ventre dentro do mato! Quanto já cantei! Quanto já me impuz tanto dentro do mato! Já briguei com arvores que deixaram espinhos! Quantas já abracei! Quantas já desejei, subi, me despi, já gozei do alto frontispício da solidão infestada de vida que o mato e a barriga cabeluda também desta terra. – Tenho sempre tanto a dizer!


***


E isso tudo por causa dos seus pés! Dos pés dele! Dos teus pés, agora mais perto de mim! Os teus pés que hora são a forma mais direta, que eu vadia, santa e concreta, encontrei de olhar a ti, sem te tanto invadir! Embora quando esperes, embora quando sempre represes, eu seja como sempre sou. E conclua, que invada, eu sempre invado. Porque sou invasiva, por que sou cafona e pateticamente... Malvina.

Com este nome de sina. De doença, de praga, de febre, de solidão... Malvina deitada no seu colchão, bem do seu lado, afagando-te o chão inteiro da pele, enfiando-te os dedos no coração, nessas, todas as últimas noites. E você nem vê!
Chega! Já falei demais! Vou tomar banho!
Até amanhã!

- Malvina Alvarez -

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

– Dois capítulos sobre os teus pés –

Capítulo IV




Os pés dele eram feitos de leite de cabra. Cabra mansa, que é capaz de matar com um coice se não lha derem comida. Se não lha derem de comer, ainda que seja o mais tosco capim, aceita comer guararema, e quando adoecida uns raminhos de alecrim, para ser cabra perfumada. Não é que seja temperamental, mas é justa, uma cabra que faz lindos pés de leite, trabalha, mas quer receber.


***


Não pensem que sou louca. Querem saber?! Pensem! Pensem o que quiserem! Coisa cretina tentar controlar pensamentos. A única coisa absolutamente livre. Não se há de prender! De conseguir deter. – Então pensem porque não tenho moral para lhes pedir. Isto de mim, é vaidade! Vaidade e medo de ser completamente abandonada. Esquecida e abandonada. E logo eu que me viro tão bem sozinha, de um lado para o outro da cama, detendo o travesseiro entre as pernas! Sempre entre as pernas! Pensem vocês: “Imaginem, Malvina aleijada! Tetraplégica! (?) Morrerá no primeiro mês!”

Não. Não sei! Mas é que sinto Deus, e quando digo Deus, falo do impulso da vida, a que me corre solta como um cavalo selvagem; entre as pernas. E eu sozinha com o meu cavalo selvagem, empresto os meus pêlos da Vênus para a roupagem desse animal. Eu toco o meu corpo, me sinto mal, quando não tenho coragem de saber qual é o gosto do meu escolhido para me fazer chegar, antes sozinha, ao meu delicioso choro das pernas. Acho que antes, não sei se sempre, antes como a quem escolhido for, com os meus olhos bravios, os meus olhos são bocas, de dentes afiados, e línguas desesperadas, que devoram por fome, com isso prazer, ganhando a necessidade; porque no fundo todo aquele que goza quer ser feliz!...

Mas que demagógica! Demagógica e perdiz! Não sei falar em termos de análise e razão!Definitivamente não posso sequer pensar em ser escritora, pois que sou confusa, profusa, poética demais, patética nesse cais de barcos, e açambarcos modernos, n’onde as redes dessa pesca “infeliz” voltam-se cheias de botas e estereotipados mapas em garrafas, com frotas de comportamentos, antes planejados.
Uh! Sou por demais insatisfatória para o mercado. Seria morta na primeira semana de publicação. Enrolaria peixes e camarões, com sorte mariscos lembrariam o cheiro marinho da minha buceta, no fundo forrariam bolsetas de carregar melões, estampadas com flores gigantes e botons de políticos, que prometem muletas a paralíticos, remetendo-se a Jesus, nos seus amplexos ante-progressivos de bondade – Não Jesus! Os políticos – Não disse que sou confusa! Esta seria eu, enrolando peixes . Forrando fundo de bolsas com botons, liberando prótons e nêutrons e elétrons! Uh! Odeio ser científica, engenheira, correta, esteta; Adoro ser covarde, ter busto que arde, nos bicos; adoro ter engolidos os seios, os meios, por bocas de homens todos e primas, adoro rimas, pobres, confusas, difíceis; Detesto ser aristocrata, chibata sem costas para bater! Adoro um padre! Compadre do medo e do perigo de ser.

Peregrino, menino, com medo de nunca crescer. Do pinto crescer e ser chamado para ir ao quadro. Adoro ver! – É que também fui professora! Fui genitora, no meu fetiche madrasta, jocasta, Napoleão! Adoro Joana D’arc, adoro Maria Antonieta, adoro Maria Madalena, adoro Salomé. Adoro Salomão me comendo no colchão de provérbios e letras de estrelas, adoro tê-lo, adoro vê-la... A ti patética Malvina, entidade de esquina, das senzalas, dos “camburês”, vadia de velzinho negro na cabeça, pra disfarçar os olhos vermelhos na missa, vermelhos de paixão pelo padre. Vermelhos de Espanha e paella, vermelhos pra que somente Deus os veja, e os pingue colírio divino...

Ai! Podem pensar que sou louca! Porque eu mesmo isso penso de mim.
É melhor eu parar! Senão não durmo! Fico realmente louca!

– Malvina Alvarez –
Inverno de L’Espanha.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Capítulo III


Há loucura nas estações, como também há loucura dentro da gente. Imaginem só que as vezes eu não tenho nenhum desejar, não apresento nesses dias vontade nenhuma e estou fria!
Inapetente! Com as coxas mortas, desanimadas. No que seria lógico, nem mesmo vocação para as orações! Não quero saber nem de rezar. É que nessas horas tenho a energia dos quiabos. E o diabo, parece ter ido passear bem longe e se esquecido de mim, da sua prima tão próxima, tão companheira, tão sacerdócia, minha vocação, para fazer tudo! Absolutamente tudo que o Deus das salas de gesso nos disse! Não sei por quem... Ele, disse pra não fazer!

E aí... me assalta um vento quente, feito os pestilentos praguejados de rezadeiras, que fecham as portas e as dormideiras no canto do quintal, e toda vegetação adormece por um segundo, _ são Deus e o diabo, juntinhos criando mundos tão dentro, bem dentro da minha buceta, meu sopro vadio, minh’alma careta, lambreta,James Dean, lambretando punhetas, no alto de minhas nádegas rosadas. São pêssegos pra você!...
É assim!

***

Engraçado! Eu não sei se sou uma grandessíssima covarde ou se sou artista; despisto minhas vontades dessas vistas, dessas pistas de palavras ganhadoras, ganhando sempre de mim, para domar o bandido das minhas emoções, enjaula-las em cavernas, em sapatos sociais, às vontades decimais, sem tanta pressa. Quem sabe até querendo dormir, para não acordar nem mais. Tão cedo!

Será que eu cedo as minhas vontades, permitindo-as palavras?

Não sei nem se eu quero respostas hoje a noite, porque não estou prurida para açoites! Hoje não aceitaria chicotes, como uma orquestra de fagotes, “vulto convulso” desse teu olhar, sem dotes que te possam alcançar nessa hora.
– Vou embora!
É melhor me ir! Pra não sofrer ninguém!
“Na nossa farmácia com PH, não tem nenhum anestésico!”

***
E isso é intuitivo, por uma série de soldados coroados espanhóis, que eu pus guardando os caracóis dos meus cabelos, quase brancos, de tanta constipação cerebral! Eu não fui careta, tive buceta, posso ser má e gritar nos seus olhos pedindo! – Que me obedeça! Que se deite no chão! Se desnude e me aqueça e me chupe toda, que me lamba os pés!...

Deixo-te todo, ir-se embora! A cama vazia, a racha vadia, esquentando-se com saudades de você!
Do seu presente que se infla tão contente quando me enxergar a perfumosa flor entre as pernas!
“Eu tenho febre! E não posso dormir!”

Capítulo II


No dia da minha primeira comunhão, antes de ir para igreja, demorei no banho, pus o velzinho na cabeça e pensei como nunca nos olhos e nas pernas, “mistério sem número”, na minha estação. Naquele padre.

***

Que me ensinava o catecismo com uns tons de cacetismos, fazendo relevos tão tímidos, para os meus olhos, frondosos, no hábito corrido como a noite, a noite que não ganha os pés e deixa as fitas das sandálias à sorte dos pés que não andam. Macero as vezes calmo e impiedoso do tempo.

***
Nos laços dos meus treze anos, na lassidão do pululante engano eu me entregava as rezas na esperança de me salvar dos sentimentos vadios, a doce e peregrina cara de homem, forrada de pêlos, deitando-me zelos tão específicos no seu santo, nada santo olhar.
Jamais me esquecerei desse homem e nem do seu caminhar. Sentindo os colhões entre as pernas. Eu os imaginava tão mornos e no roçar das coxas e pêlos tão animados forasteiros, desenganando e desobedecendo a vontade desse homem de ser Deus, ser tão divino, nesse embalsamado de carne e de arrimo, ele, o padre, era muito mais homem, muito mais bicho, muito mais macaco nessa escala exitativa, nessa escala evolutiva, o que evoluía, eram esparsas contrações que me assaltavam do ventre moço até as pernas – tudo eu senti nas lindas horas da minha primeira comunhão – Gostaria de aproveitar para dizer ao meu bondosíssimo padre que morreu tão jovem sem me experimentar, nem ao menos um beijo, apenas uma fogosa passada de mãos, nas coxas, um beijo no pescoço, lado esquerdo do pescoço e uma lágrima ejaculante de tesão, de tensão e desespero. – Imaginem quantas chibatadas! E eu o amei de alguma forma!