segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

– Dois capítulos sobre os teus pés –

Capítulo IV




Os pés dele eram feitos de leite de cabra. Cabra mansa, que é capaz de matar com um coice se não lha derem comida. Se não lha derem de comer, ainda que seja o mais tosco capim, aceita comer guararema, e quando adoecida uns raminhos de alecrim, para ser cabra perfumada. Não é que seja temperamental, mas é justa, uma cabra que faz lindos pés de leite, trabalha, mas quer receber.


***


Não pensem que sou louca. Querem saber?! Pensem! Pensem o que quiserem! Coisa cretina tentar controlar pensamentos. A única coisa absolutamente livre. Não se há de prender! De conseguir deter. – Então pensem porque não tenho moral para lhes pedir. Isto de mim, é vaidade! Vaidade e medo de ser completamente abandonada. Esquecida e abandonada. E logo eu que me viro tão bem sozinha, de um lado para o outro da cama, detendo o travesseiro entre as pernas! Sempre entre as pernas! Pensem vocês: “Imaginem, Malvina aleijada! Tetraplégica! (?) Morrerá no primeiro mês!”

Não. Não sei! Mas é que sinto Deus, e quando digo Deus, falo do impulso da vida, a que me corre solta como um cavalo selvagem; entre as pernas. E eu sozinha com o meu cavalo selvagem, empresto os meus pêlos da Vênus para a roupagem desse animal. Eu toco o meu corpo, me sinto mal, quando não tenho coragem de saber qual é o gosto do meu escolhido para me fazer chegar, antes sozinha, ao meu delicioso choro das pernas. Acho que antes, não sei se sempre, antes como a quem escolhido for, com os meus olhos bravios, os meus olhos são bocas, de dentes afiados, e línguas desesperadas, que devoram por fome, com isso prazer, ganhando a necessidade; porque no fundo todo aquele que goza quer ser feliz!...

Mas que demagógica! Demagógica e perdiz! Não sei falar em termos de análise e razão!Definitivamente não posso sequer pensar em ser escritora, pois que sou confusa, profusa, poética demais, patética nesse cais de barcos, e açambarcos modernos, n’onde as redes dessa pesca “infeliz” voltam-se cheias de botas e estereotipados mapas em garrafas, com frotas de comportamentos, antes planejados.
Uh! Sou por demais insatisfatória para o mercado. Seria morta na primeira semana de publicação. Enrolaria peixes e camarões, com sorte mariscos lembrariam o cheiro marinho da minha buceta, no fundo forrariam bolsetas de carregar melões, estampadas com flores gigantes e botons de políticos, que prometem muletas a paralíticos, remetendo-se a Jesus, nos seus amplexos ante-progressivos de bondade – Não Jesus! Os políticos – Não disse que sou confusa! Esta seria eu, enrolando peixes . Forrando fundo de bolsas com botons, liberando prótons e nêutrons e elétrons! Uh! Odeio ser científica, engenheira, correta, esteta; Adoro ser covarde, ter busto que arde, nos bicos; adoro ter engolidos os seios, os meios, por bocas de homens todos e primas, adoro rimas, pobres, confusas, difíceis; Detesto ser aristocrata, chibata sem costas para bater! Adoro um padre! Compadre do medo e do perigo de ser.

Peregrino, menino, com medo de nunca crescer. Do pinto crescer e ser chamado para ir ao quadro. Adoro ver! – É que também fui professora! Fui genitora, no meu fetiche madrasta, jocasta, Napoleão! Adoro Joana D’arc, adoro Maria Antonieta, adoro Maria Madalena, adoro Salomé. Adoro Salomão me comendo no colchão de provérbios e letras de estrelas, adoro tê-lo, adoro vê-la... A ti patética Malvina, entidade de esquina, das senzalas, dos “camburês”, vadia de velzinho negro na cabeça, pra disfarçar os olhos vermelhos na missa, vermelhos de paixão pelo padre. Vermelhos de Espanha e paella, vermelhos pra que somente Deus os veja, e os pingue colírio divino...

Ai! Podem pensar que sou louca! Porque eu mesmo isso penso de mim.
É melhor eu parar! Senão não durmo! Fico realmente louca!

– Malvina Alvarez –
Inverno de L’Espanha.

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