terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Nos braços da Espanha Capítulo I


Que eu tenho fome é fato, na busca do teu arte-fato, um prato de estórias para eu comer. A tua frase simples, articulando-se vermelha na tua boca complicada, e é tão simples como eu gostaria que de tê-la, de beijá-la, de sugá-la, de lambê-la tão de surpresa e natural que sentí-la vociferando o temor na minha boca, no céu, no chão da língua, na mais ôca e inabitada parte de mim, alcançando e invadindo as mias narinas e os meus olhos. É no fim, de todo esse amplexo bucal, chorar uma gota fremida de sal... e esperar você tirar toda a minha roupa.

***

Quero acreditar no cheiro mais "doce" e púbere que sentirei de ti, as tuas costas desavisadas o brio quente das minhas mãos, que já carregaram tantos pesos, que já seguraram tantos vãos a espera de ti... a espera do contorno do teu sexo, pronto e amadurecido para então me compreender.

É que a ponta e todo curso do teu carinho eu sei que me sentirão além de dentro. Quando em mim tu entrares, também pensamentos, também língua, também saliva, também languidão, também gosto, também leite, também relva, também paixão... o cheiro e o perfume doce da tua infância que rompe as eras e se faz fragrância no teu corpo de estórias, todo já em mim adulto.

***
Eu quero que me invadas, mas não sou buraco, mas não sou caverna pra te abrigar! Eu não sou cisterna pra te guardar tua água e lavar tua mágoa pra te alegrar e você ir sorrindo e esquecer de mim!

Que não sou teu pouso, que não sou repouso, que não sou teu pasto, nem seu ante-pasto para o delicioso jantar... um delicioso jantar que não seja entre as minhas pernas, que não seja entre as minhas guerras e você nem queira ser guerreiro... e somente te vás embora pra depois voltar...

Pois não volte porque não sou cíclica! Não volte porque não sou mística, não sou renovada, não sou privada pro seu vomitar! Eu sou mulher! Não sou uma buceta!

***

Ser mulher não é ser buceta. E ser buceta não é ser mulher.

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Meu amor!...

"A noite não foi feita pra gente andar, a noite foi feita para os bichos".
...

Esta noite foi feita pra gente, mas que comédia! você não apareceu.

Esta mesma noite nos foi dada por Ele. de graça! mas que desgraça! Você não apareceu. Eu cá, trágica não sei se você sabia não sou seu guia, nem sou teu -vem! me ventilando as coxas, me fumegando as roxas partes deste corpo santo, sangrando todos os meses com saudade de ti. Esta rosa tão pintada de vermelho, tão lavada de perfumes, tão trêmula pede os teus dedos, os teus medos, a tua boca, teu nariz. Pede você feliz chorando de dor e prazer chamando por mim pra jamais se esquecer;

Malvina Alvarez

(E)

Eu não sou mulher de bigode, mas comigo! nem o diabo pode!
Canto três aves-marias fortes, invento uma reza só minha!
E boto ele pra correr!
-Vá dormir seu moço!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

O diário de um desejo

Vário de si sempre é o artista, posto que tem um encontro marcado na esquina de tudo quanto é humano. Procura na obra desse artista a sua voz e acharás multidão, e tocarás a carne sensível e pulsante da multidão.

O artista empresta sua sensibilidade para que outros seres ganhem voz, corpo, forma, desejo e paixão. Um almanaque de paixões, de desejos, de formas, de corpos e de vozes – essa é a sua obra. A matéria-prima de sua arte é o si-mesmo. Talvez por essa razão, todo artista sinta ser algo no intermezzo de si e do outro, ou, como explicita Mário de Sá-Carneiro, “Eu não sou eu nem sou o outro, / Sou qualquer coisa de intermédio”.

O exercício da alteridade é o modus operandi de todo aquele que se dedica a recriar o mundo a partir de seu olhar estético, de sua estesia. E nos diários de Malvina Alvarez, Marcelo Tosta – poeta, autor, ator, diretor ou, em resumo, Artista – empreende, compreende e apreende a essência desse exercício. Extrai de seu desejo a magnitude de um outro desejo, feminino, lascivo, transatlântico.

Malvina Alvarez, em cuja boca a palavra boceta – na sua acepção chula – alcança uma poesia insuperável, narra-nos com riqueza de detalhes as nuances de um desejo proibido. Malvina, lusitana como os acordes de um fado, convida-nos ao gozo. Acompanhemo-la?

Teofilo Tostes Daniel

autor dos
blogs
Um Dedo de Prosa Poética (http://icaroberanger.blogspot.com/ ), sob o pseudônimo de Ícaro Beranger;

e do livro
Poemas para serem encenados.

"Espero sempre por ti o dia inteiro"


Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.

- Sophia de Mello Breyner Andersen